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  • Peri Dias

Por que dormimos? Curso explica a importância do sono



Esta noite, que tal você ir para a cama com Darwin? Calma, o convite do Blog do Veduca é bem-intencionado e faz sentido se você, em algum momento antes de cair no sono, já se perguntou por que dormimos. A resposta a essa pergunta passa pelo cientista inglês e pela Teoria da Evolução, que ele criou.


De acordo com a Doutora em Neurologia do Sono e professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas Lívia Leite Góes Gitaí, diz que as diversas teorias que tentam dar conta dessa questão parecem levar a um caminho condizente com a teoria de Charles Darwin.


A visão darwiniana é a de que os seres que sobreviverão e transmitirão suas características às gerações seguintes serão aqueles que conseguirem se adaptar melhor ao meio em que vivem. O sono, desse ponto de vista, seria uma estratégia evolutiva, apesar de essa constatação parecer contraintuitiva.


“Durante o sono, o animal não encontra comida ou parceiros, não cuida da prole e ainda reduz sua capacidade de detectar a aproximação de predadores. Ainda assim, o sono é um comportamento conservado em muitas espécies animais”, ela diz.


Então, por que dormimos?

Homem dorme tranquilamente em uma feira no Chipre: segurar o sono é muito difícil, porque o organismo humano tem um sistema de “rebote”, que nos faz precisar de descanso depois de um período de vigília.


A professora lembra que para entender por que dormimos, precisamos, antes, definir o que é o sono, segundo critérios comportamentais e biológicos.


Do ponto de vista comportamental, o que já se sabe é que o sono tem cinco características comuns, nas diversas espécies de animais que dormem.


– Maior limiar de resposta aos estímulos externos

Quando um animal, inclusive o ser humano, dorme, cai seu nível de consciência e vigilância sobre o que acontece ao seu redor.


– Rápida reversibilidade

Apesar de o animal que dorme estar menos atento ao que acontece externamente, ele pode acordar rapidamente e voltar ao estado de alerta total. Basta notar que quando surgem um barulho ou uma luz muito próximos de nós, muitas vezes isso interrompe o nosso sono. Pode ser irritante, mas é uma característica natural de proteção. É isso que diferencia o sono de estados como torpor e coma.


– Postura estereotipada

É a postura corporal típica da espécie ao dormir. Indivíduos de uma mesma espécie tendem a adotar uma mesma posição quando caem no sono. O ser humano costuma se deitar, por exemplo, mas  há espécies que dormem de pé ou mesmo de cabeça para baixo.


– Quietude comportamental

Toda espécie que dorme reduz sua atividade física no momento do sono e entra em um estado em que há menos movimento ou interação com o ambiente do que quando o indivíduo está desperto.


– Regulação homeostática

Trata-se do rebote compensatório do sono, ou seja, a necessidade de dormir após um período de privação do sono. Dormir é um ato que os indivíduos realizam rotineiramente e cuja necessidade se manifesta de maneira mais clara quando eles passam algum tempo acordados.


Animais ajudam a explicar por que dormimos


Definidos os critérios comportamentais sobre o que caracteriza o sono, a professora Lívia Gitaí avança para uma análise de alguns estudos a respeito de como dormem os animais.


Ela faz uma descrição bem embasada em estudos científicos, repleta de detalhes interessantes, a respeito da enorme variedade de padrões de sono entre os animais. Ela também aponta semelhanças e diferenças entre como dormem os humanos e as outras espécies.


Isso é relevante porque ao observar os animais, cientistas do mundo inteiro foram obtendo pistas para entender por que dormimos.


Por enquanto, para continuarmos na investigação sobre por que dormimos, o ponto mais importante é que o sono é um comportamento presente em diversos tipos de insetos, aves, peixes, répteis, anfíbios, mamíferos marinhos e mamíferos terrestres.


Também é importante ter em mente que esse comportamento surgiu precocemente no curso da evolução. A professora lembra que em 1971, um pesquisador renomado na área da Medicina do Sono, A. Rechtschaffen, resumiu a inquietação dos cientistas sobre por que o ato de dormir se consolidou como um hábito de tantas espécies: “Se o sono não tem função vital absoluta, então é  o maior erro que o processo evolucionário já cometeu”.


Desde que essa frase foi formulada até hoje, a humanidade ainda não conseguiu decifrar com precisão por que dormimos, mas já formulou algumas hipóteses. Vejamos um pouco mais sobre elas.


Teorias para explicar por que dormimos

Conservação de energia

Uma das explicações mais aceitas para a pergunta “por que dormimos?” é a de que cair no sono serve para poupar calorias. Animais menores e com maior taxa metabólica dormiriam mais porque teriam maior dificuldade em conservar energia.


Como explica a professora, ratinhos dormem até 18 horas por dia, o que condiz com essa teoria. Em um corpo pequeno e que precisa conservar sua temperatura, o estoque de energia é baixo.


Porém, as pesquisas têm mostrado uma contradição importante. Na verdade, os estudos têm indicado que quanto maior a taxa metabólica, menor é o tempo de sono.


Além disso, animais que de modo geral costumam dormir oito horas por dia, como o ser humano, gastam apenas 100 calorias a menos, nesse período em que estão dormindo, do que gastariam se permanecessem acordados e parados, pelo mesmo período.


“Parece uma economia muito pequena, para explicar uma atividade tão complexa quanto o sono”, afirma a doutora Gitaí.


Isso nos leva à teoria seguinte sobre por que dormimos, a da inatividade adaptativa.


Mulher descansa: quando dormimos, o corpo poupa energia, mas a diferença de economia em relação a períodos em que estamos acordados, mas parados, é relativamente pequena.



Inatividade adaptativa

Segundo essa teoria, o sono não deve ser visto como um estado de vulnerabilidade que só persistiu no processo evolutivo por causa de alguma função fisiológica desconhecida.


Na realidade, o sono aumentaria a eficiência dos organismos, na medida em que eles só permanecem ativos quando isso é benéfico – ou seja, quando há maior chance de conseguir alimento e maior risco de ataques de predadores.


Nas horas do dia em que seria menos necessário ou útil permanecer acordado, o indivíduo dormiria para poupar energia.


Essa perspectiva explicaria por que há tanta variabilidade de padrões de sono entre as espécies. Por exemplo, há uma espécie de morcego que dorme 18 horas por dia e só fica acordada no crepúsculo, único período em que estão disponíveis os mosquitos dos quais eles se alimentam.


Esse comportamento condiz com a visão de que dormimos porque há um horário em que não interessa muito estar acordado.


Processamento cerebral e consolidação da memória


A relação entre sono e memória vem sendo estudada há vários anos. No fim do século XIX, o cientista Hermann Ebbinghaus iniciou seus estudos sobre consolidação da memória e desenvolveu curvas de aprendizado e esquecimento.


Ele percebeu que o auge da retenção de uma nova informação ocorria em uma janela de tempo que ia de 8 a 24 horas após o aprendizado, e o período de melhora coincidia justamente com o período após o sono.


Depois de Ebinghaus, outros pesquisadores testaram a capacidade humana de guardar informações, em 1914 e em 1924. Eles perceberam que os participantes da pesquisa apresentavam melhores resultados na retenção de dados quando dormiam.


Desde então, diversos estudos comprovaram a relação entre sono e processamento cerebral, por meio de técnicas como testes de performance, neurofisiologia, neuroimagem ou biologia molecular.


Segundo a  professora Lívia, a memória recente, que inicialmente é armazenado na parte do cérebro conhecida como hipocampo, é reativada durante o sono.


Essa memória é distribuída para áreas corticais associativas, onde se torna memória de longa duração. O sono permite, portanto, que a memória de curto prazo se torne aprendizado de fato.


Nas aves, o sono também é importante no processo de consolidação da memória. Mesmo nas abelhas, o sono tem um papel importante para que elas retenham informações.


Porém, nos mamíferos e nas aves, que apresentam o sono dividido entre período de ondas lentas e período REM, diferentemente dos insetos, o sono ainda parece apresentar outras vantagens evolutivas: ele traria também um ganho na criatividade e na elaboração de soluções complexas para os problemas.


Restauração

A teoria da função restaurativa, umas das mais aceitas para explicar por que dormimos, é quase intuitiva, como explica a doutora Livia Gitaí.


“Essa teoria chega a ser natural, devido ao fato de nos sentirmos revigorados depois de uma boa noite de sono”, ela diz.


Sob essa perspectiva, o sono serve para que o organismo possa “reparar, rearrumar e reconstruir” o que é desgastado durante a vigília.


É um argumento que encontra evidências em fatos como os déficits de função decorrentes de privação do sono e a necessidade de sono após um período de atividade.


Além disso, os maiores níveis de secreção de hormônios anabólicos, como os hormônios do crescimento, ocorrem durante o sono. Por fim, existe, o fato de todo um grupo de genes relacionados às vias de metabolismo e de restauração só estarem ativos durante o sono.


Mais surpreendentes ainda, segundo a professora, são as pesquisas recentes que apontam que substâncias nocivas ao cérebro humano são eliminadas com intensidade duas vezes maior na fase do sono do que na fase de vigília.


Na definição da professora, “esses resultados podem sugerir que a função restaurativa do sono deve ser uma mudança cerebral para um estado funcional que facilite a eliminação de produtos de degradação da atividade neuronal que se acumulam durante a vigília”.


Conclusão: o que Darwin tem a ver com a dúvida sobre por que dormimos?

Os cientistas não têm uma resposta definitiva sobre por que dormimos, mas as teorias mais aceitas buscam explicar as vantagens evolutivas que o sono traz ao ser humano e às outras espécies que dormem.


Em poucas palavras, dormir permitiria ao organismo dos indivíduos desempenhar alguma função que não é possível para os que não dormem, algo que tornaria o sono uma vantagem evolutiva.


Essas funções podem ser poupar calorias, tornar o organismo mais eficiente, reforçar a memória e o aprendizado ou restaurar estruturas danificadas pela atividade regular do organismo quando estamos despertos, por exemplo.


Qualquer que seja a resposta, ao tornar os seres que dormem mais adaptados ao meio e, portanto, mais propensos a se perpetuarem ao longo de gerações, o sono faria sentido do ponto de vista da Teoria da Evolução de Darwin.


Da próxima vez em que você sentir o travesseiro fofinho, o lençol suave e o colchão macio, vale lembrar que dormir não é só prazer. É uma vantagem evolutiva.


Quer saber mais sobre por que dormimos?

*Esta reportagem da BBC lista algumas das pesquisas sobre a importância do sono para o ser humano e mostra que, de fato, não há consenso sobre o tema. A teoria restaurativa, porém, parece predominar entre os pesquisadores.


*No vídeo abaixo, da plataforma TED, o neurologista circadiano (aquele que estuda os ciclos de sono do cérebro) Russel Foster detalha as teorias sobre o sono e desfaz alguns mitos sobre quantas horas precisamos dormir.


 

Créditos das fotos

*Foto da chamada (bebê dormindo no colo de uma pessoa): Laura Lee Moreau no Unsplash Veja a foto aqui

Homem dorme em uma cadeira: Stephen Oliver no Unsplash Veja a foto aqui

Gato dormindo: Sabri Tuzcu no Unsplash Veja aqui a foto

Mulher deitada: Kinga Cichewicz no Unsplash Veja a foto aqui

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