- Peri Dias
Origem da Libras: como surgiu a Língua Brasileira de Sinais

Um prédio histórico imponente do bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, abriga a instituição-chave para a origem da Libras, a Língua Brasileira de Sinais, tema de um abrangente curso do Veduca.
O edifício de fachada cor creme é a sede do Instituto Nacional de Educação de Surdos(INES), órgão do Ministério da Educação responsável por produzir e divulgar conhecimentos científicos e tecnológicos na área de surdez. Foi no INES, a primeira escola do Brasil para surdos, que começou a se estruturar a língua que hoje é oficial no país e que faz parte do dia a dia de uma boa parcela dos cerca de 9,7 milhões de brasileiros que, segundo o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) declaram ter deficiência auditiva.
Fundado em 1856, à época com o nome de Collégio Nacional para Surdos-Mudos, o INES surgiu como resposta do imperador D. Pedro II ao relatório em que o francês Ernest de Huet, que era surdo e tinha experiência como diretor do Instituto dos Surdos-Mudos de Bourges, na França, relatava sua intenção de fundar uma instituição semelhante no Brasil. Provavelmente sem saber que seria um dos responsáveis pela origem da Libras, Huet apresentou uma proposta pedagógica de ensino para alunos surdos, que incluía disciplinas tradicionais, como Língua Portuguesa, Aritmética e Geografia, mas também Linguagem Articulada e Leitura de Lábios. Foi apoiado pelo governo imperial e conseguiu criar o instituto.
Na escola, a língua de sinais começou a ser praticada como apoio ao aprendizado das várias disciplinas que os professores ministravam. Huet falava a língua de sinais francesa, que já estava estabelecida naquele período, e foi introduzindo elementos dessa língua nas interações com os estudantes. Os pesquisadores do tema ressaltam, no entanto, que outras formas de sinais já eram utilizadas no Brasil, em grupos pequenos, como evolução natural do relacionamento entre pessoas surdas.
“É claro que onde existiam dois ou mais surdos que se comunicavam entre si, em qualquer lugar do mundo, eles faziam isso por meio de uma língua de sinais que eles convencionavam”, explica a professora Claudney Maria de Oliveira e Silva, coordenadora dos cursos de Letras-Libras e Letras: Tradução (Libras-Portuuguês) da Universidade Federal de Goiás (UFG), instituição que o Guia do Estudante da Editora Abril avaliou como uma das duas melhores do Brasil no ensino de Libras.

Por causa da existência de línguas de sinais anteriores à fundação do INES, os pesquisadores afirmam que a Libras não é só uma derivação da língua francesa de sinais, mas uma criação genuinamente brasileira, já que misturava elementos externos e locais.
“Embora não tenhamos registro, provavelmente já havia uma língua de sinais estabelecida no país antes da criação do Instituto. A partir de 1857, surgem registros com desenhos e que evidenciam uma língua de sinais brasileira com forte influência da língua de sinais francesa. A Libras, portanto, se estabelece no Brasil, a partir dessas duas línguas”, explica a professora Ronice Muller de Quadros, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a outra instituição de nível superior apontada pelo Guia do Estudante como excelente no ensino de Libras.
A origem da Libras está no Rio, mas como ela se tornou uma língua nacional e oficial? A Libras foi ganhando corpo conforme os alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos foram se formando e levando, pouco a pouco, a língua de sinais para seus locais de origem. A professora Claudney conta que em Goiás, por exemplo, o professor Edson Franco Gomes, ex-aluno do INES, foi um dos responsáveis por introduzir o ensino da Língua Brasileira de Sinais no estado e participou ativamente da criação da Associação dos Surdos de Goiânia. O Instituto Nacional de Educação de Surdos também teve um papel de difusão direta, já que se tornou um órgão de subsídio às políticas do governo federal para educação de pessoas surdas.
Além de se difundir nacionalmente, a Libras tornou-se, nas últimas décadas, tema de discussão política. Segundo o INES, no fim dos anos 1980, pessoas surdas lideraram o movimento de oficialização da Língua Brasileira de Sinais, que levou à longa tramitação de um projeto de lei no Congresso, a partir de 1993. Em 2002, foi finalmente aprovada a Lei nº 10.436, que reconheceu a Libras como língua oficial do Brasil, em equivalência com a língua portuguesa. O Decreto nº 5.626, de 2005, regulamentou a lei, e estabeleceu normas a serem cumpridas pelo governo e pelas instituições, em áreas como o ensino da Libras, a formação de profissionais bilíngues e o uso da língua em ambientes públicos e privados.
Se a origem da Libras é brasileira, surdos de outros países não conseguem entendê-la?
Assim como o Brasil desenvolveu a Libras, outros países desenvolveram línguas de sinais nacionais, com características próprias. A formação dessas línguas não tem relação com o idioma oral adotado naquele território, o que cria relações curiosas entre os países A origem da Libras, por exemplo, é semelhante à das línguas de sinais americana e a mexicana. Ambas tiveram, também, forte influência francesa e, por isso, os especialistas afirmam que elas fazem parte do mesmo tronco linguístico da Língua Brasileira de Sinais. Já a língua de sinais usada em Portugal teve influência escandinava. Por isso, nesse sentido, os falantes da Libras têm mais facilidade em compreender a língua americana de sinais do que a língua portuguesa de sinais. Usuários das línguas de sinais do Estados Unidos e da Inglaterra também têm dificuldade de compreensão mútua, já que a formação de ambas seguiu caminhos distintos. Os pesquisadores ressaltam, ainda, que nenhuma língua de sinais é universalmente compreensível.
“O fato de as línguas de sinais serem visuais e espaciais, ou seja, de se darem nos corpos, usando articuladores das mãos e da face, facilita a compreensão entre falantes de diferentes línguas de sinais. De qualquer forma, uma comunicação aprofundada exige que se aprenda a língua do outro. Pessoas que usam línguas de sinais diferentes não conseguem se comunicar sobre todos os assuntos, assim como acontece com as línguas orais”, conta a professora Ronice Muller de Quadros.
Mesmo no Brasil, a Libras não é a única língua de sinais em uso. Ronice menciona, como exemplo da diversidade de línguas de sinais, a kaapor brasileira, usada pelos indígenas urubu kaapores, que vivem em diferentes pontos do Nordeste do Brasil.
Quer saber mais sobre a origem da Libras e seu desenvolvimento?
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Este post do blog Hand Talk relaciona a origem da Libras com a história global das línguas de sinais e ainda lista os avanços das políticas para difusão da Libras, de 2004 a 2016.
Assim como o Instituto Nacional de Educação de Surdos deixou, ao longo da sua história, a denominação de escola para surdos-mudos, muitos pesquisadores defendem que o termo deveria deixar de ser usado ou usado somente em casos muito específicos.
O pesquisador Gustavo de Godoy e Silva, doutorando em Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, gravou o vídeo abaixo, em que Valdemar Kaapor conta uma história usando a língua de sinais kaapor.