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  • Peri Dias

O que é assédio sexual e como agir se você for assediada



É comum que a sociedade se questione sobre o que é assédio sexual e se não há um exagero das vítimas, assim que se torna pública uma acusação de que alguém famoso praticou assédio. Os casos mais recentes foram revelados a partir de 2017, pelo movimento Me Too (Eu Também), nos Estados Unidos, e envolveram uma legião de celebridades que teriam sofrido ou praticado assédio, ao longo de sua carreira. A lista de mulheres famosas que relataram comportamentos inaceitáveis por parte de homens que elas conheciam incluiu algumas das cantoras ou atrizes mais famosas do mundo, como Lady Gaga, Angelina Jolie, Gwyneth Paltrow e Reese Witherspoon. Mesmo com o alcance e o poder que os holofotes trazem a essas mulheres, as histórias que o Me Too explicitou foram questionadas por muita gente, incluindo o presidente americano, Donald Trump, para quem o movimento foi “perpetrado por pessoas muito maldosas” e serviu para desacreditar homens honrados.

Se Angelina Jolie e Lady Gaga foram ridicularizadas quando contaram seus casos de assédio, fica fácil imaginar o que acontece quando mulheres comuns denunciam abusos. As vítimas frequentemente dizem que as acusações se voltam contra elas e que essa é uma das razões para que outras pessoas desistam de falar sobre o que sofreram. Além do questionamento às intenções da acusadora, outra reação clássica dos acusados, segundo quem trabalha com o tema, é relativizar o que é assédio, alegando que o contato com a vítima foi consentido ou que elogios e cantadas não podem ser confundidos com agressões.

Para qualificar a conversa sobre esse tema e fortalecer a construção de ambientes onde todos estejam protegidos, o Veduca lançará, em breve, o curso online grátis Assédio Sexual: Prevenção e Combate. Desenvolvido em parceria com o Women Friendly, uma start-up que oferece a primeira certificação da América Latina para estabelecimentos comerciais comprometidos com a segurança e o bem-estar de funcionárias e consumidoras, o curso compartilhará definições sobre o que é assédio, como identificá-lo e o que as vítimas de assédio podem fazer para denunciar a agressão, além de orientações para empresas e indivíduos que querem contribuir para um ambiente em que as mulheres sejam respeitadas.


Pesquisadora explica o que é assédio


Ana Addobbati, fundadora do Women Friendly: assédio é diferente de elogio ou de paquera e precisa ser combatido, ela diz.

No espírito do novo curso, o Blog do Veduca abordará o assédio sexual sob diversos aspectos. Começaremos nossa série de posts por uma entrevista com a fundadora do Women Friendly, Ana Addobbati. Desenvolvedora, jornalista e mestre em Comunicação pela IE Business School da Espanha, Ana nasceu no Recife, mas mora em São Paulo. Depois de mais de 10 anos de atuação no mercado corporativo, em projetos para organizações como Natura, Alpargatas e Rio 2016, ela criou seu próprio negócio de impacto, ao transformar uma vivência potencialmente negativa em inspiração para contribuir com a segurança de outras mulheres.

“Em 2017, durante um período sabático e com muita vontade de criar algo que usasse minha experiência corporativa e que fosse além do ativismo do Facebook, vivi uma situação de assédio quando estava ‘turistando’ em Montevidéu. Um garçom interveio de uma forma que não me fez sentir obrigada a sair do estabelecimento, e a situação foi coibida sem que o ofensor também precisasse ser removido. Esse foi o insight. Ao regressar ao Brasil, comecei a investigar dados que me dessem um retrato da situação do assédio sexual no Brasil e no mundo”, ela conta.

Ana diz que descobriu estatísticas alarmantes, mas também um cenário que favoreceria economicamente as companhias que garantissem um espaço mais seguro para todas. Buscou uma sócia, a advogada Nathália Waldow, com quem definiu um protocolo baseado na legislação. O método que elas construíram define formas de os funcionários da empresa prevenirem e, se necessário, intervirem contra o assédio sexual, sempre protegendo a vítima, mas também ajudando a salvaguardar a empresa ou estabelecimento. Na conversa com o Blog do Veduca, Ana explicou o que é assédio e como ele está relacionado com a nossa cultura corporativa e social. Leia a seguir.

Blog do Veduca – A fronteira entre assédio e elogio ou envolvimento consensual muitas vezes é questionada, quando surge uma denúncia. O que é assédio e como diferenciá-lo de outras interações? Ana Addobbati – É incrível como a fronteira entre assédio e galanteio ou gentileza ainda é pouco clara para muita gente. Quando a gente fala sobre o que é assédio, eu me atenho ao que a ONU (Organização das Nações Unidas) diz: é qualquer movimento de conotação sexual que gere desconforto físico ou psicológico na vítima. Desse ponto de vista, mesmo quando a abordagem não gera uma marca ou vem embalada como elogio, se gera desconforto, segue sendo assédio. Existem outras definições importantes, como a da própria legislação brasileira. O Código Penal, em seu artigo 216-A, define o assédio como o ato de constranger alguém com o intuito de obter favorecimento sexual e prevalecendo-se da sua condição de superior hierárquico. Isso faz muita gente identificar assédio como uma situação em que necessariamente há uma relação de hierarquia, mas quando olhamos para as definições mais amplas da própria legislação, vemos que a lei tem se aproximado da definição da ONU. Por exemplo, agora temos a Lei de Importunação Sexual (12.718/18), que diz que a importunação é “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. É o que acontece no caso de assédio no transporte público, por exemplo, mas a lei abrange também aspectos digitais. Então, uma foto tirada da coleguinha sem autorização e compartilhada no grupo de mensagens também é assédio. Mesmo a interpretação de muitos juízes sobre o que é assédio tem sido mais ampla, nos últimos anos. Então, um ponto comum entre essas definições é a violência. O assédio é uma forma de violência contra a mulher. E essa violência não precisa ser física, pode inclusive ser verbal.

Blog do Veduca – Nesse contexto, qual é a diferença entre assédio e estupro? Ana Addobbati – Antigamente, estupro só existia quando havia conjunção carnal. Era comum ver julgamentos do tipo “como o réu não concluiu a ação sexual, será punido por uma ofensa menor”. Atualmente, há o entendimento de que não é preciso haver conjunção para se caracterizar o estupro, então a fronteira entre um e outro, especialmente quando o assédio se torna físico, ficou mais próxima. Ainda assim, nem toda abordagem de cunho sexual é estupro. Uma “mão boba”, por exemplo, dificilmente será caracterizada como estupro, mas é assédio, porque tira a dignidade da mulher, por meio do contato físico não-consentido. Agora, se o cara trancou a mulher no banheiro e obrigou-a a tirar roupa, mesmo que não haja ato sexual, isso já pode ser visto como estupro.

Blog do Veduca – Como a mulher pode identificar se foi vítima de assédio? Muitas mulheres se questionam se o agressor estava só agindo de uma forma um pouco agressiva ou se ele tem um senso de humor diferente, por exemplo. Ana Addobbati – Na cultura brasileira, que é muito informal, um caminho é entender a sensação que aquele ato causa em você. O assédio tira a dignidade de vítima. Também conta a intenção da pessoa que está abordando a mulher. O que estava por trás daquele ato? Ele estava diminuindo ou expondo essa mulher? Outra pergunta que a vítima pode fazer é “O que eu estou perdendo quando esse ato acontece?”, ou ainda “Ele está ferindo minha dignidade ou me vulnerabilizando no ambiente de trabalho?”. Isso vale para os casos mais sutis, claro. Há situações mais claras de assédio, como quando envolvem chantagem ou punição à vítima, no caso de ela rejeitar as aproximações do agressor. De qualquer forma, assédio tem a ver com poder. O cara tem o poder de me diminuir, ao fazer o que fez? Se tem, é assédio.

Blog do Veduca – Mesmo quando o comportamento incômodo vem embalado em forma de elogio, como você comentou antes? Ana Addobbati – O elogio em que o ofensor está diminuindo a pessoa, no seu contexto, também é assédio. Quando o homem solta um cantada que vulnerabiliza a mulher, por exemplo, quando ele grita, para que todos ouçam, coisas como: “olha como ela veio”, “olha o vestido dela” ou “é a mulher mais bonita desse lugar”, isso pode ser uma forma de vulnerabilização. Pode, sim, incomodar a mulher, expor, criar um tipo de constrangimento que não é adequado, especialmente se ocorrer em um ambiente profissional. A gente faz o convite à mulher que se sentir incomodada para que ela se posicione, se houver espaço. Que ela diga “eu não admito esse tipo de comportamento”, e, se for possível, que ela fale isso na frente de outras pessoas, para deixar claro que ela está incomodada. Outro exemplo comum de assédio disfarçado de elogio é o do agressor psicológico, que se aproveita da timidez ou de situações de isolamento da vítima. Ele segue a vítima no corredores da empresa, no cafezinho, manda mensagens inapropriadas, cria um medo na mulher. A mulher começa a ter pavor de encontrá-lo. É frequente que isso aconteça em um ambiente em que a vítima é uma funcionária terceirizada e o agressor é contratado da empresa onde a vítima trabalha. É uma forma de exercer o poder que o empregado da empresa supostamente tem sobre a terceirizada. Mesmo um convite, dependendo do contexto, pode ser assédio. Quando o cara insiste muito, fica chamando para um ambiente diferente da empresa sem que a vítima responda positivamente, isso fica caracterizado.

Blog do Veduca – E no caso do humor? Ana Addobbati – Voltamos à questão do poder da pessoa que faz a piada e da sua intenção. Certos hábitos que a pessoa tem no grupo de amigos, na sala da sua casa, não podem ser levados para o ambiente de trabalho. Há piadinhas que podem criar um ambiente hostil, mesmo quando não são direcionadas a alguém, e as pessoas precisam entender que em alguns espaços elas não podem usar esse tipo de humor. É importante que as pessoas que se sentiram ofendidas por uma determinada brincadeira se posicionem, digam que não gostaram daquela piada. Se a pessoa que fez a brincadeira pede desculpas e para com aquilo, é vida que segue. Já se a pessoa continua a fazer aquele tipo de piada, vira assédio, sim.

Blog do Veduca – Por que falamos quase sempre em mulheres como vítimas, nos casos de assédio? Ana Addobbati – A gente pega o recorte da mulher porque os números mostram que mais de 70% das mulheres já soferam assédio, e entre os homens o número é muito menor. É uma questão predominantemente feminina, embora os homens também possam sofrer assédio, claro.

Blog do Veduca – Como a mulher vítima de assédio pode reunir provas de que está sendo assediada? Ana Addobbati – No caso do assédio no ambiente de trabalho, um primeiro passo é saber se a empresa tem uma ouvidoria ou um canal de denúncia e procurá-la. Em alguns casos, pode ser o sindicato da categoria. Muitas vezes, é desconfortável fazer isso, porque a vítima precisa se expor no próprio local de trabalho ou pode não se sentir segura de que não sofrerá represálias, mas é um caminho importante. Outra atitude é reunir mensagens por escrito, como e-mails, bilhetes, mensagens de whatsapp ou no canal interno da empresa. Quando a situação permitir, posicione-se verbalmente e claramente contra o que está acontecendo, de preferência, na frente de algumas pessoas. Diga que não está gostando daquele comportamento. Também é importante anotar o passo a passo, com datas, de tudo o que o assediador fez contra você.

Blog do Veduca – Não pode parecer que a pessoa estava premeditando a acusação? Ana Addobbati – Provar o assédio é como provar outros crimes, é preciso ter materialidade das provas. Se o caso for parar na Justiça, o juiz sempre perguntará se a mulher buscou apoio, se ela tentou denunciar, se tem testemunhas. A gente sabe que isso nem sempre é possível, mas quando for, reunir essas evidências ajuda a provar. Um recurso controverso é a gravação de conversas, porque o agressor pode dizer que a vítima estava mal intencionada, que já foi preparada para gravar aquilo ou que a gravação de conversas sem autorização do interlocutor é uma violação da privacidade. Ainda assim, é uma prova que costuma ser aceita pela Justiça. Quando o assediador não for seu chefe e você se sentir confortável em falar com ele, também vale a pena registrar o ocorrido com os seus superiores. Lembrando, também, que o Ministério Público do Trabalho pode atuar, se a empresa não tomar as devidas providências para impedir que o assédio continue. Muitos casos de assédio são sistemáticos, o assediador pode ter constrangido várias outras pessoas. Quando a empresa não tem políticas para prevenir e combater essa ação sistemática, pode ser responsabilizada.

Blog do Veduca – Uma barreira para as denúncias costuma ser a vergonha da própria vítima em contar o que aconteceu. Por que isso acontece? Ana Addobbati – Existe um julgamento forte em cima da vítima. Seja no contexto de violência doméstica, de estupro, do assédio,  a mulher sempre é julgada, na nossa cultura. O comentário sobre a roupa que ela estava usando sempre vai vir. Inconscientemente, nós mulheres, muitas vezes achamos que estar no trabalho é um desafio, em si, às regras da sociedade. A gente acha que tem pagar alguns preços por estar lá, inclusive esse do assédio. Conforme a mulher veio ocupando lugares que eram exclusivamente dos homens, isso trouxe o julgamento sobre o batom, sobre a roupa que a mulher usa, até sobre se ela sorri demais. Outra questão é a dificuldade da vítima de reconhecer o início do ciclo da violência. É comum que o assédio comece por uma atitude mais sutil e vá crescendo. Quando a mulher sente que precisa interromper aquilo, o ciclo já está avançado e já causou danos. Não pode ser assim, não podemos normalizar o assédio.

Blog do Veduca – O Me Too e outros movimentos semelhantes ajudaram a trazer o tema do assédio à tona? Ana Addobbati – Se estamos discutindo esse assunto agora, é porque, lá atrás, alguém já se posicionou contra isso. Tem a ver principalmente com o movimento feminista. Em 1941, já existia uma lei brasileira contra o assédio, com multa de “até dois contos de réis” contra o assediador, mas isso não era muito respeitado e as pessoas nem sequer sabiam que a lei existia. Será que, quando alguma mulher foi denunciar, ela foi ouvida? Será que as punições aconteceram? Lei que não é utilizada caduca. Mesmo na indústria do cinema, já se sabia há muito tempo que o assédio acontecia. Ato libidinoso no ônibus sempre existiu. O que está mudando é  que as pessoas estão tomando a coragem de denunciar. Aquele caso que aconteceu em São Paulo, em 2017, do homem que ejaculou em uma passageira, dentro do ônibus, foi solto e voltou a assediar mulheres no coletivo, três dias depois, provocou uma tremenda indignação. As mulheres não se calam mais, e o Me Too foi importante, mas não foi o único fator, e nem o primeiro, para essa mudança.

Blog do Veduca – O que mais mudou, então? Ana Addobbati – Várias coisas. O sentimento de apoio entre as mulheres, propiciado inclusive pela existência das redes sociais, é algo relativamente novo e que dá a coragem necessária para elas denunciarem. A presença de mulheres em cargos de decisão e espaços de poder, mesmo que em minoria, também é um fator importante. Por exemplo, quando uma juíza pega um caso de assédio ou quando uma executiva recebe uma denúncia de assédio na empresa, é possível que ela mesma já tenha vivido aquela situação anteriormente ou em outros ambientes, ela sabe que aquilo existe e como acontece. A renda da mulher ter crescido também é uma causa importante do aumento da visibilidade do assédio, já que poder aquisitivo traz independência e poder. A presença das mulheres na imprensa é outro ponto, pois elas se interessam pelo tema, cobrem as denúncias que envolvem pessoas conhecidas. A prisão de homens poderosos, como o Harvey Weinsten (produtor influente de Hollywood, acusado de múltiplos casos de assédio sexual contra atrizes), também manda uma mensagem. É um conjunto de fatores, é sistemático, porque o assédio é também um fenômeno social.


Quer saber mais sobre o que é assédio?


* Conheça o curso online grátis Assédio Sexual: Prevenção e Combate do Veduca, com vídeos e material de apoio sobre o que é assédio e como trabalhar para que todos se sintam seguros no trabalho ou em lugares públicos.

* A Organização Internacional do Trabalho (OIT), ligada à ONU, e o Ministério Público do Trabalho (MPT) criaram uma série de vídeos para esclarecer o que é assédio. Veja alguns abaixo.

– Vídeo 1 – Você sabe o que é assédio sexual no ambiente de trabalho?



– Vídeo 2 – Como as vítimas podem provar casos de assédio sexual no ambiente de trabalho?


– Vídeo 3 – Qual é a diferença entre paquera e assédio sexual no ambiente de trabalho?


* A TV Brasil levou ao ar um abrangente debate sobre o que é assédio sexual no trabalho, com entrevistas com especialistas no assunto, definições sobre o que é assédio e depoimentos de vítimas do assédio.


* A revista Carta Capital publicou, em maio de 2018, esta reportagem sobre o Movimento Me Too e seus desdobramentos.

* A rede de TV americana CNN reuniu as declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre o movimento Me Too.

* Assista à reportagem do SP1, o jornal local da TV Globo na capital paulista, sobre a prisão do homem que foi pego duas vezes, em menos de uma semana, assediando mulheres em ônibus.


A representatividade feminina nos postos de comando das empresas é um dos fatores que estão ajudando a trazer à tona o debate social sobre o que é assédio e como combatê-lo, segundo Ana Addobbati.


Neste post, o Blog do Veduca reuniu sete organizações que trabalham para ampliar a diversidade e a inclusão nas companhias, inclusive duas redes que atuam para aumentar a presença de mulheres nos Conselhos das corporações.

Vale a pena conhecê-las.

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