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  • Peri Dias

Legislação sobre assédio sexual melhorou, mas cumprimento ainda é muito falho



A entrada em vigor da Lei de Importunação Sexual (13.781/18), em setembro de 2018, colocou o Brasil no mesmo compasso de organizações de referência no combate a esse tipo de crime, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas (ONU), mas só poderemos comemorar quando, de fato, essa e outras leis que protegem as mulheres de abusos de natureza sexual forem cumpridas pelo próprio Estado brasileiro. É isso que defende a advogada Nathália Waldow, co-fundadora da Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero e sócia da Women Friendly, primeira empresa da América Latina a certificar negócios que atuam para eliminar o assédio sexual de seus ambientes de trabalho e consumo.


Nathália chama atenção para o fato de a responsabilização pelo assédio sexual depender de uma rede de instituições públicas e, às vezes, privadas, que nem sempre estão preparadas para lidar com o tema. Ela cita como exemplo as Polícias brasileiras, frequentemente mal treinadas para acolher as vítimas de assédio que denunciam o crime, mal equipadas e ocupadas demais para investigar e, segundo ela, muitas vezes machistas no entendimento do que é assédio sexual e de como combatê-lo. Enquanto essas condições não melhorarem, será difícil reduzir as subnotificações do assédio sexual e a impunidade, de acordo com a advogada.


“A aplicação da legislação sobre assédio sexual é tão importante quanto a própria lei. Antes de falarmos de aumento da pena, é fundamental que a pena atual seja cumprida”, aponta Nathália.


Para enriquecer a discussão sobre os abusos que as mulheres enfrentam e contribuir para a resolução desse problema, o Veduca lançou o curso online grátis Assédio Sexual: Prevenção e Combate, desenvolvido em parceria com a Women Friendly. Na entrevista a seguir, Nathália Waldow opina sobre os pontos em que o Brasil já melhorou e aqueles em que falta melhorar, para que a legislação sobre assédio sexual de fato iniba e puna essa forma de violência.


Nathália Waldow, advogada e co-fundadora da Associação das Advogadas pela Igualdade de Gênero e sócia da Women Friendly

Só uma legislação sobre assédio sexual mais rígida não é suficiente, diz advogada

Blog do Veduca - Como você descreveria a legislação sobre assédio sexual no Brasil?

Nathália Waldow - Quando vista ao pé da letra, a legislação brasileira delimita muito o assédio sexual. Ela está afastada do conceito que outros esferas de referência, como a OIT e a ONU, definiram. No caso do Código Penal, a legislação sobre assédio sexual se concentra muito na superioridade hierárquica, do patrão com a empregada, do médico com a paciente ou do professor com a aluna, mas a gente sabe que o assédios sexual se dá também em outras forma de relacionamento. É comum que o assédio parta de um colega do mesmo nível hierárquico, por exemplo. Além disso, era difícil caracterizar o assédio em outros ambientes, que não o de trabalho, justamente porque o Código Penal prevê que a relação de subordinação é necessária para caracterizar o crime. Por isso, o assédio como definido pelo legislador, até pouquíssimo tempo atrás, estava em descompasso com a realidade. Isso só mudou com a nova Lei de Importunação Sexual.


Blog do Veduca - Mas já havia a possibilidade de enquadrar o assédio em outros ambientes, por meio de outros artigos, não?

Nathália Waldow – O ato de importunação com cunho sexual em ambientes públicos era considerado de menor potencial ofensivo. Nem sequer era um crime, mas sim uma contravenção, definida pelo Artigo 61, da Lei 3.688/41. A pena era levíssima, uma multa de até dois contos de réis. Essa era a lei que regia esse tema até 2018! As mulheres que chegavam à delegacia para denunciar o assédio no transporte público, por exemplo, não viam resultado. Não havia um constrangimento efetivo ao assediador e ele era solto depois de pagar multa, quer dizer, havia uma sensação de impunidade e de vulnerabilidade por parte das mulheres.


Blog do Veduca - Isso mudou com a nova lei? A legislação sobre assédio sexual ficou mais severa?

Nathália Waldow – A nova lei foi um passo muito importante, porque agora o assédio sexual, mesmo sem ser mencionado nesses termos, pode ser enquadrado como crime de importunação sexual, e não mais como contravenção. É a primeira vez que se reconhece que o agressor merece uma pena mais dura. Foi uma forma de atualizar o arcabouço arcaico, de 1941, que regia esses casos. Essa lei colocou o Brasil no mesmo compasso das outras esferas que eu mencionei, a ONU e a OIT, que são referências no tema do assédio. E isso aconteceu por causa do clamor popular, que fez os legisladores agirem. É um marco para a sociedade brasileira.


Blog do VeducaA legislação sobre assédio sexual é suficiente para que a sociedade possa prevenir e combater essa forma de violência?

Nathália Waldow - A lei, por si, traz uma pena que não é baixa, com prisão de um a cinco anos. Ela suja a ficha criminal do agressor e cria uma restrição de liberdade, que são formas de dissuadir os assediadores. Eu acredito, porém, que a prisão não é a solução para tudo. Uma dúvida importante é se a lei será efetivamente cumprida. Será que a mulher que sofrer abuso no transporte público vai ter como provar que isso aconteceu, por exemplo, pelo testemunho dos outros passageiros ou pelo uso de imagens de câmeras de segurança? Será que haverá interesse e capacidade da Polícia em agir? Teremos que verificar se o cumprimento da lei será feito.


Blog do Veduca - O que funciona bem na nossa legislação sobre assédio sexual e na forma como a Justiça lida com a questão?

Nathália Waldow - Aumentou muito o número de denúncias de assédio sexual, nos últimos anos, na Justiça brasileira. Isso significa que as mulheres estão se sentindo mais seguras para denunciar. A Lei de Importunação Sexual é tão recente que não temos como medir de forma assertiva os efeitos, mas as delegacias já têm registrado aumento no número de mulheres que as procuram. Esses são bons sinais de que estamos avançando para reduzir a subnotificação.


Blog do Veduca - E o que precisa melhorar?

Nathália Waldow - A aplicação da legislação sobre assédio sexual é tão importante quanto a lei. Antes de falarmos de aumento da pena, é fundamental que a pena atual seja cumprida. A Polícia precisa estar aparelhada para receber e acolher essa mulher, por exemplo. O assédio é um crime subnotificado porque a mulher fica envergonhada de ir até a delegacia, e mesmo quando vai, muitas vezes ouve perguntas como se ela provocou o assediador, se ela estava usando uma roupa inapropriada. É fundamental que a Polícia ofereça a seus funcionários treinamentos para receber bem essas denúncias. O segundo passo é que a Polícia seja capaz de investigar. Os policiais têm que ter tempo e vontade de ir atrás de imagens de câmeras no transporte ou na rua, por exemplo, mas nem sempre as delegacias têm o efetivo necessário ou consideram que esse crime seja prioritário.


Blog do Veduca – A sociedade como um todo também pode ajudar nesse cumprimento?

Nathália Waldow - Os estabelecimentos comerciais também devem estar preparados para evitar assédios ou para agir quando o assédio acontece. Da mesma forma, a população também precisa se conscientizar de que o assédio em lugares públicos é uma questão de todos nós. Quando uma mulher é assediada no metrô ou no ônibus, muita gente vê, porque em geral o vagão ou o carro estão lotados. As pessoas precisam saber que se omitir é perpetuar esse comportamento. Uma pessoa que esteja vendo a cena pode gritar, ajudar a apontar o agressor, dar apoio à vítima naquele momento. A sociedade precisa mostrar que não tolera mais esse comportamento. Existe toda uma cadeia de pessoas instituições que precisam atuar para o assédio ser combatido.


Continua no próximo post


Quer saber mais a respeito da legislação sobre assédio sexual?


- Acompanhe a continuação desta entrevista no próximo post do Blog do Veduca.

- Confira o curso online gratuito Assédio Sexual: Prevenção e Combate.


O programa Sem Censura, da TV Brasil, discute as definições e os impactos da Lei de Importunação Sexual, a partir do minuto 33.



Que tal ler os posts anteriores do Blog do Veduca sobre assédio sexual?

Assédio sexual no trabalho: como a Justiça lida com o tema

Chega de Fiu Fiu: campanha viralizou, pautou o debate e virou filme

Assédio nas ruas deixa marcas e restringe a liberdade da mulher

Assédio sexual no Brasil em sete estatísticas impressionantes

O que é assédio sexual e como agir se você for assediada

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