- Peri Dias
Comunicação verdadeira: 8 filmes e séries sobre dizer a verdade
Estabelecer uma comunicação verdadeira é um dos princípios para construir conversas produtivas e relações duradouras, especialmente em situações de conflito ou tensão.
É isso que nos ensina a Comunicação Não-Violenta (CNV), um processo de pesquisa – mas também uma prática e uma disciplina – que serve para estabelecer diálogos mais eficazes. Por seu papel na definição de um caminho construtivo de interação, a CNV tem ganhado destaque entre especialistas em Comunicação.
Como Fabiana explica em um post do Blog do Veduca, dizer a verdade não significa falar qualquer coisa que venha à sua cabeça ou praticar discursos de ódio e proferir palavras com a intenção de ferir alguém.
Pelo contrário, a CNV propõe o cuidado com o próximo. Por isso, a disciplina busca definir formas respeitosas de expressão, justamente para que ninguém fique refém de duas situações negativas: esconder o que pensa ou magoar o outro a ponto de romper os laços.
Comunicação verdadeira nos filmes e nas séries
Essa ideia da comunicação verdadeira é fundamental para o diálogo intrapessoal (aquele que cada indivíduo tem consigo mesmo), para as conversas do dia a dia entre as pessoas e também para os debates que se dão em esferas mais amplas, como aqueles que envolvem toda a sociedade.
Em uma época de “fake news” e “pós-verdade”, porém, sabemos que a comunicação verdadeira nem sempre está na base das interações. É comum que autoridades, empresas e celebridades sejam desmentidas ou que elas mesmas se desmintam, depois de pressionadas.
Esse tipo de situação é um prato cheio para a arte. Escritores e cineastas sempre se debruçaram sobre o que é a verdade (vale lembrar que nem tudo no mundo é preto no branco) e sobre os personagens encalacrados em dilemas sobre contar ou não aquilo que pensam ou fazem.
Para inspirar você a pensar sobre a verdade e a comunicação verdadeira, fizemos uma lista de oito filmes e séries em que essas questões são centrais. Algumas dessas obras são densas, outras fazem rir, mas todas podem ser ótimos pontos de partida para refletir sobre o assunto. Aproveite!
Crazy People
Resumo do filme (sem spoiler): Começamos a lista com um filme de 1990, estrelado por dois figurões daqueles tempos, Dudley Moore e Daryl Hannah. Moore interpreta um publicitário de uma grande agência americana, obcecado por trabalho e sucesso, que passa por uma crise emocional causada pelo fim do seu casamento e resolve criar uma campanha publicitária contando só a verdade sobre os produtos. Seu chefe obriga-o a se internar em um centro de tratamento para pessoas com problemas mentais, mas a campanha é lançada, por engano, e se torna um enorme sucesso. A partir daí, o publicitário passa a criar novas campanhas “sinceronas”, com a ajuda de seus colegas de tratamento.
Relação com a comunicação verdadeira: Em tom de comédia, o filme questiona quão verdadeira é a comunicação publicitária e quais seriam os impactos de as empresas se posicionarem de forma mais sincera sobre suas marcas. Hoje é até clichê, entre os publicitários, falar de autenticidade, comunicação orgânica e construção de relacionamento com o cliente, mas quais são os limites desses conceitos?
Para assistir com pipoca ou lenço? Definitivamente, com pipoca!
Mad Men
Resumo da série (sem spoiler): Uma das séries mais bem-sucedidas dos últimos 15 anos, Mad Men mostra a rotina de trabalho, romance, disputas de poder e, sobretudo, mentiras que permeiam o ambiente de uma agência de publicidade de Nova York, nos anos 1960. A trama é bem-feita, a estética da época é um dos prazeres da série e as intrigas em que os publicitários se metem são de dar enjoo.
Relação com a comunicação verdadeira: Mad Men tem vários níveis de relação com o tema da verdade, mas dois são muito claros. Primeiro, o das trapaças e “puxadas de tapete” comuns em muitas empresas – e em muitos casamentos. Comunicação verdadeira definitivamente não é o forte de alguns personagens, que mentem para suas esposas e colegas sem titubear. Segundo, o da publicidade como máquina de criar ilusões sociais. Será que a propaganda gera desejos e cria a infelicidade de toda uma sociedade, que deseja cada vez mais aquilo que não a preenche, ou só explicita e viabiliza as vontades que todos nós temos?
Para assistir com pipoca ou lenço? Mais pipoca do que lenço, mas leve os dois para o sofá.
The Crown
Resumo da série (sem spoiler): Outra das séries “queridinhas” do público, nos últimos anos, The Crown é uma biografia sem compromisso com a absoluta precisão histórica, mas inspirada em fatos reais da trajetória da rainha Elizabeth II, do Reino Unido. O enredo passa por episódios da vida pessoal da monarca, desde sua juventude, e por momentos marcantes de seu reinado e da cena política a partir dos anos 1940. Cenário, figurino e atuações são de alto nível.
Relação com a comunicação verdadeira: Toda a vida da família real é atravessada por dilemas entre o que revelar ou não. A vida particular da chefe de Estado se confunde inteiramente com a vida da figura pública, por isso, Elizabeth e seus parentes precisam tomar decisões frequentes sobre quanto revelar aos súditos a respeito de questões de saúde, fidelidade conjugal ou planos de vida. Sem contar os episódios em que informações de interesse coletivo precisam vir à tona, mas são amenizadas ou falseadas pelos políticos. Um dos momentos tensos do reinado de Elizabeth, por exemplo, ocorreu quando o primeiro-ministro Winston Churchill resolveu “filtrar” notícias sobre o Grande Nevoeiro, um pico de poluição em Londres que causou a morte de milhares de pessoas. O embate entre Elizabeth e Churchill sobre como explicar ao povo o que estava acontecendo é retratado na série. Em The Crown, as questões éticas e políticas relacionadas à comunicação verdadeira são vistas sob a lente das pessoas que governaram uma das nações mais poderosas do mundo. A estabilidade pública ou os interesses políticos podem se sobrepor à transparência? E qual é o limite entre informar e violar a privacidade?
Para assistir com pipoca ou lenço? Mais lenço do que pipoca, mas sem traumas.
House of Cards
Resumo da série (sem spoiler): As aventuras de um casal disposto a qualquer coisa para chegar à Presidência dos Estados Unidos e se manter no poder são o tema de House of Cards, série que marcou os últimos cinco anos e a ascensão da Netflix. Frank e Claire Underwood são inteligentes, ambiciosos e demonstram o tempo todo sua moralidade ambígua. Eles alternam ações de lealdade e traição, sinceridade e mentiras deslavadas, amor e crueldade. O ator Kevin Spacey, que interpretou Frank, foi afastado da série, na última temporada, depois que acusações de assédio sexual cometido por ele vieram à tona. A série perdeu parte de sua graça e seus episódios finais foram muito criticados, mas ainda assim, House of Cards é excepcional em sua trama e em seu constrangedor retrato da “política real”.
Relação com a comunicação verdadeira: Bem, no caso de House of Cards, a relação é de negação da comunicação verdadeira. Todos os personagens modificam seus discursos de acordo com os interesses próprios do momento e com o impacto que suas falas terão sobre sua popularidade. Mesmo os dois protagonistas (o casal Underwood), que nas primeiras temporadas demonstram sinceridade entre eles, entram em uma disputa interna, no meio da série, que faz ser impossível identificar quando estão dizendo a verdade. House of Cards nos faz questionar: onde está a comunicação verdadeira, na Política e no casamento?
Para assistir com pipoca ou lenço? Pipoca durante e lenço depois, quando o noticiário politico trouxer à sua memória o casal Frank e Claire.
Risk
Resumo do filme (sem spoiler): O documentário de Laura Poitras mostra a vida do jornalista Julian Assange na embaixada do Equador em Londres, onde ele se asilou depois da ameaça de que seria deportado para os Estados Unidos e julgado pelo vazamento de informações confidenciais do governo americano. Assange é o responsável pelo WikiLeaks, um dos maiores casos de vazamento de informações públicas da história. No filme, Poitras apresenta o modo de vida de Assange, confinado em um prédio, o assédio da imprensa, as ações do governo dos Estados Unidos para tentar levar Assange ao país e a conexão de tudo isso com as eleições americanas de 2016.
Relação com a comunicação verdadeira: O documentário é desses que colocam uma pulga atrás da orelha difícil de esquecer. Poitras mostra a capacidade de governos e políticos de atuar para restringir a divulgação de dados e de caçar quem desafia essa ordem. O filme também faz pensar sobre os limites entre segurança nacional e interesse público. Comunicação verdadeira definitivamete não é um termo muito apropriado para assuntos que os governos classificam como estratégicos. Mas, afinal, que ações do governo podem justificadamente ficar ocultas e quais precisam ser reveladas?
Para assistir com pipoca ou lenço? Nem um nem outro. É para ser visto com aquelas bolinhas teraupêticas para aliviar a tensão.
Obrigado por Fumar
Resumo do filme (sem spoiler): Um executivo de Relações Públicas da indústria do cigarro é o anti-herói desse filme. Ele manipula dados de maneira pouco ética, cria confusão de conceitos onde não há e utiliza a indústria cinematográfica para transmitir uma imagem de glamour a um produto mortífero. O conflito da trama é o fato de que, embora o personagem principal seja ótimo no que faz, sua capacidade de defender seus clientes a qualquer custo começa a ser ameaçada por um conflito moral – ele não quer que seu filho enverede pelo mesmo caminho – e por uma limitação prática – uma jornalista investigativa começa a se meter em sua vida.
Relação com a comunicação verdadeira: O filme de 2006 é abertamente caricato, mas levanta questões atuais. Como a influência política de alguns setores pode afetar a nossa percepção sobre seus produtos? Existe comunicação verdadeira possível quando bilhões de dólares estão em jogo? Quais são as estratégias mais usadas por empresas de todos os setores para comunicar seu ponto de vista de forma eficiente?
Para assistir com pipoca ou lenço? Pelo tom do filme, com pipoca. Pelo tema, na vida real, com lenço.
The Rachel Divide
Resumo do filme (sem spoiler): Lançado em 2019, pela diretora Laura Bronson, o documentário mostra a vida de Rachel Dolezal, uma ativista e artista que nasceu branca, mas afirma ser negra. Por alguns anos, Dolezal teve um papel de destaque no movimento pelos direitos das pessoas negras no estado de Washington, nos Estados Unidos, e nunca teve sua negritude questionada. Porém, em 2015, um jornalista mostrou que os pais dela eram brancos e que ela mesma, durante a maior parte de sua vida, tinha se apresentado como uma mulher loira e de pele clara. Ela perdeu o emprego, o protagonismo em movimentos civis e passou a ser atacada, inclusive com ameaças de morte, por defensores da esquerda e da direita. O documentário dá a Dolezal a chance de explicar seu ponto de vista como “pessoa transracial” (o termo ganhou popularidade por causa dela) e conta o percurso que levou a professora a se declarar, mas também não economiza nas críticas a ela.
Relação com a comunicação verdadeira: O foco do filme é claramente a questão racial nos Estados Unidos, mas a edição consegue mostrar diferentes camadas de perguntas que podemos nos fazer a partir do caso de Rachel, inclusive algumas relacionadas à comunicação verdadeira. Por exemplo, se ela tivesse deixado claro desde o início que nasceu branca, as pessoas que a atacam teriam deixado de se sentir traídas? Rachel está se comunicando com sinceridade ou só quer chamar atenção para ela e para sua causa? E se ela disser que é branca e ponto, os ataques a ela tenderão a diminuir, mas que preço ela estaria pagando ao afirmar uma identidade que ela diz não sentir – a de mulher branca?
Para assistir com pipoca ou lenço? Lenço.
O Mentiroso
Resumo do filme (sem spoiler): Para fechar a lista com leveza, um filme com Jim Carrey em sua fase “careteira”. Carrey interpreta um advogado que obtém sucessivas vitórias em julgamentos de seus clentes, basicamente porque consegue contar a história que os jurados e o juiz precisam ouvir – seja ela verdadeira ou não. Ele também faz promessas vazias a seu filho, um garoto de cerca de seis anos. Cansado das decepções, o menino faz um desejo, ao apagar as velinhas de seu bolo de aniversário: que o pai seja incapaz de mentir por um dia. Misteriosamente, o desejo se realiza, e o personagem de Carrey precisa atravessar um dia inteiro dizendo exatamente aquilo que pensa. As confusões, é claro, se acumulam.
Relação com a comunicação verdadeira: Já deu para sacar que o filme é do tipo Sessão da Tarde, né? O trailer acima não foi escolhido por acaso. Então, não espere profundidade. Porém, entre uma risada e outra, até dá para pensar na forma como mascaramos, em muitas situações, aquilo que queremos dizer de verdade – e como a “mentira social”, às vezes, permite uma convivência mais estável com os outros. Será que a comunicação verdadeira, mas respeitosa, ajudaria uma pessoa como o personagem de Jim Carrey? Se ele pudesse resolver os conflitos de forma produtiva, seu filho seria mais feliz?
Para assistir com pipoca ou lenço? Muita pipoca!
Créditos das fotos
Elenco da série Mad Men – Peabody Awards – Mad Men – Veja a foto aqui