- Peri Dias
Como dormem os animais e que diferença isso faz para os humanos

Bichos descansam de cabeça para baixo, de pé, em cima de árvores. Quando observamos como dormem os animais, seus hábitos parecem esquisitos para nós, que gostamos de cama, travesseiro e lençol – ou de uma rede, claro.
Às vezes, essa sonolência animal pode ser decepcionante. Uma experiência presente na infância de muitos paulistanos que visitavam o zoológico da cidade era chegar ao parque na maior animação para ver o leão, mas ao se aproximar o espaço onde ele ficava, encontrar o bicho dormindo. Ele estava sempre sonado! Nas poucas vezes em que o felino selvagem voltava sua atenção para os pequenos humanos, seu olhar era frio como o de um vilão de novela.
Há quem diga que o desdém leonino revelava também uma tristeza por não estar em seu habitat natural, mas é fato que animais, assim como humanos, adoram dormir. E o fazem da maneira mais confortável e segura que encontram, uma vez que o sono é um momento de vulnerabilidade aos predadores.
E que diferença isso faz?
Para adultos formados em Medicina ou Biologia, observar os bichos nesse estado de repouso pode ser bem mais prazeroso do que para crianças entusiasmadas em um passeio.
É que o sono é um mistério ao qual muitos dos pesquisadores dessas áreas se dedicam, por causa do papel fundamental que esse ato possui para a saúde humana e a animal.
Além disso, entender como dormem os animais e que alterações ocorrem em seus organismos, quando os bichos caem no sono, é uma das melhores formas de compreender o contexto evolutivo do hábito de dormir.
Os pesquisadores focados nesse tema acreditam que o sono traz vantagens às espécies que dormem, em relação às que não dormem. Nos períodos de repouso, o organismo cria condições para operações que não aconteceriam de mesma forma se o indivíduo estivesse sempre em vigília.
Uma das teorias mais aceitas é a de que o cérebro de mamíferos e aves, por exemplo, elimina substâncias tóxicas, resultantes das atividades comuns do dia, com muito mais eficiência durante o sono do que nos períodos em que estamos despertos.
Para chegar a essa conclusão, diversas equipes de pesquisadores, em vários países, precisaram estudar como dormem os animais. É por isso que esse tema, além de ser uma curiosidade divertida, é importante para a Ciência.
No curso online de Medicina do Sono disponível no Veduca, o assunto é um dos primeiros a ser abordado. Quem fala sobre isso – e sobre os outros temas do curso – é a doutora em Neurologia do Sono Lívia Leite Góes Gitaí, que é professora adjunta da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).
Gitaí abre o curso explicando justamente a relação entre a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, e as três principais teorias sobre as vantagens evolutivas de dormir. Para isso, ela descreve, durante alguns minutos dos primeiros vídeos, diferentes estudos sobre o sono no reino animal.
A partir das explicações da professora, queremos convidar você a um breve passeio por mares, pântanos e céus. Vamos lá?
Como dormem os animais
O estudo das características físicas que se manifestam no sono e das consequência do ato de dormir concentram-se em dois aspectos, os comportamentais e os biológicos. Esse segundo aspecto é empregado, sobretudo, nas pesquisas a respeito de mamíferos e aves. Em espécies que apresentam organismos mais complexos, observar a fisiologia é importante para diferenciar o sono de outros estados.
Para a maior parte dos animais, porém, a observação comportamental é suficiente para definir quando estão dormindo. No caso dos invertebrados, um exemplo mencionado pela professora Lívia Gitaí é o dos escorpiões.
Os estudos com essa espécie revelaram a presença dos três estados de vigilância que um animal que dorme apresenta: atividade locomotora (o bicho se movimenta), imobilidade alerta (ele não se movimenta, mas está atento ao que acontece ao redor) e imobilidade relaxada (ele responde menos aos estímulos externos, apresenta menor frequência cardíaca e mostra maior tendência à imobilidade relaxada depois de 12 horas de atividades, o que caracteriza a regulação homeostática).
As abelhas também dormem – e, assim como o ser humano, preferem o escuro para cair no sono. Os estudiosos sabem disso porque, após muita observação, notaram padrões comportamentais, especialmente à noite, como: maior limiar de resposta em determinados períodos (respondem menos ao mundo externo), postura característica (patas, cabeça e antenas adotam uma posição padronizada), quietude comportamental e rebote após um período de privação de sono de 12 horas.
Nesses casos, portanto, predominam os estudos sobre aspectos comportamentais. Porém, para outras espécies existem estudos aprofundados que ajudam a revelar o que acontece quando elas dormem e, indiretamente, nos auxiliam a entender por que dormimos
Os animais mais populares entre os cientistas do sono
As drosófilas são as queridinhas do mundo dos especialistas do sono. Os cientistas conseguiram identificar nessas moscas tanto os comportamentos já mencionados como característicos de animais que dormem quanto alterações neurológicas e químicas em seu organismo relacionadas à necessidade de dormir.
Já se sabe, por exemplo, que elas apresentam neurotransmissores relacionados ao sono e deterioração da qualidade do sono com a idade (lembra alguma espécie que você conhece?).
Também ficam mais alertas quando recebem psico estimulantes como a cafeína e parecem apresentar um marcador eletrofisiológico do sono, ou seja, o protocérebro delas (essas moscas não têm exatamente um cérebro, mas uma versão simplificada disso) envia menos estímulos elétricos de potencial de ação enquanto elas dormem.

Os peixes zebra são outra espécie bastante analisada, nas pesquisas que tentam desvendar como dormem os animais. Eles têm um sistema neurológico mais semelhante ao dos mamíferos do que as drosófilas. Dessa forma, os estudos com eles ajudam a entendermos o sono de forma mais profunda.
Uma pesquisa com essa espécie mostrou que após um período de privação de sono, eles apresentam menor performance cognitiva – isso é semelhante ao que sentimos naquelas situações em que ficamos “incapazes” de pensar direito porque estamos sonados.
Uns dormem profundamente, outros não descansam jamais
Também em anfíbios e répteis é possível identificar a necessidade de dormir, mas não em todas as espécies. Em alguns animais, estudos com eletroencefalogramas – aquele aparelho que mostra a atividade do organismo por meio de “ondinhas” - mostram padrões de atividade semelhantes ao dos humanos.
No repouso, as linhas do período de vigília mostram pontas e ondas agudas, enquanto as linhas da hora do sono são bem mais estáveis, revelando uma menor atividade do organismo.
Algumas espécies, porém, aparentemente não dormem jamais. É o caso de um tipo de jabuti, da tartaruga-marinha e do jacaré americano.
As aves, por sua vez, apresentam características semelhantes ao dos mamíferos, no sentido de possuir duas grandes fases de sono, a das ondas lentas e a do sono REM.
Essa sigla (REM) indica, em inglês, a fase do Rapid Eye Movement (Movimento Rápido de Olho), que recebe esse nome porque, durante os momentos mais agudos do sono, animais e humanos mexem os olhos aceleradamente, debaixo das pálpebras fechadas. É nesse período que ocorrem os sonhos mais vívidos dos seres humanos.
Para as aves, no entanto, o sono REM ocorre em surtos de duração inferior a 10 segundos e que, somados, correspondem a cerca de 8% do total de sono do animal. Para os humanos adultos jovens, o REM corresponde a cerca de 20%, mas chega a 80% em bebês recém-nascidos. Sabe aquele soninho gostoso que eles têm? Pois é, deve ser o REM!
Sono das orcas é de dar inveja a pais e mães de recém-nascidos
Uma das descobertas mais interessantes no campo de estudos sobre como dormem os animais é que algumas espécies de aves – assim como os golfinhos, que são mamíferos – apresentam o sono “uni-hemisférico”, em que só um lado do cérebro entra em estado de redução da atividade, enquanto o outro continua alerta. É uma estratégia para que elas se protejam de predadores mesmo enquanto dormem.
Algumas espécies de patos, por exemplo, formam grupos antes de dormir. Os indivíduos que ficam na parte externa do grupo passam mais tempo em sono uni-hemisférico do que os patos do meio do grupo, que estão mais protegidos.
Outra estratégia interessante é a das espécies de aves migratórias que passam muito tempo em voo, na primavera e no outono. Seu organismo sofre redução de sono nessas épocas do ano. Porém, é possível inclusive que durmam enquanto voam! Essa é uma possibilidade que vem sendo estudada pelos cientistas, mas não há respostas claras sobre isso.
Caso essa hipótese se confirme, não seria o primeiro caso de animal que dorme enquanto apresenta algum movimento. Já se sabe que baleias e golfinhos apresentam sono de ondas lentas uni-hemisférico enquanto nadam – e sem sinal de assimetria motora, ou seja, eles não nadam “torto” enquanto um lado do cérebro está em repouso e o outro em vigília.
Já os recém-nascidos de orca apresentam estado contínuo de vigília por um período de quatro a seis semanas. As mães acompanham o comportamento, sem sinais de prejuízo de performance ou rebote do sono. Isso significa que tanto filhotes quanto fêmeas adultas simplesmente deixam de dormir e não sentem os efeitos disso, na fase da vida em que o bebê-orca está mais vulnerável aos predadores.
Não seria maravilhoso se os humanos também pudessem abolir a necessidade de sono, quando nasce um bebê? Mamães e papais, admitam que bateu uma inveja!
Já a forma como dormem os animais mamíferos terrestres é semelhante à nossa. Estudos com ratos, por exemplo, mostram que quando esses roedores são privados de sono por muito tempo, acabam morrendo.
Quer saber mais sobre como dormem os animais?
Cavalos e elefantes dormem poucas horas, quando comparados aos humanos. Já os coalas passam 20 horas por dia em repouso. Este álbum de fotos da DW mostra essas e outras informações sobre como dormem os animais.
E já que tanto nós quanto os cachorros e os gatos precisamos de uma soneca, por que não dormir ao lado do seu bicho de estimação? Esta reportagem da TV Record explica que não há problema em fazer isso, mas os veterinários explicam que é preciso tomar cuidados com a higiene dos bichos antes de permitir que eles subam em sua cama. Além disso, é preciso entender como dormem os animais que você tem em casa, para que nem eles nem você se incomodem com a presença um do outro.
É fofura que você quer? Então, só assista a esse vídeo abaixo, da National Geographic, sobre como dormem os animais.
Para entender mais profundamente como dormem os animais – com destaque para a espécie humana, claro – assista ao curso online de Medicina do Sono, disponível no Veduca.
Créditos das fotos
Foto da chamada (focas dormindo na cadeira): MARIA E. MAYOBRE no Unsplash – Veja aqui a foto
Peixe zebra: postado por Brian Gratwicke no Flickr, como Zebra dart fish Ptereleotris zebra – Veja aqui a foto