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  • Peri Dias

Chega de Fiu Fiu: campanha viralizou, pautou o debate e virou filme



Quando a campanha Chega de Fiu Fiu foi lançada, em julho de 2013, sua criadora, a jornalista paulista Juliana de Faria, recebeu uma avalanche de reações, em um espectro que ia do apoio e da gratidão, por alguém ter levado o tema para debate público, aos ataques mais violentos. Juliana virou alvo de ameaças de estupro e foi chamada de mimada, aparecida e radical.


Em pouco tempo, porém, a vontade das mulheres de compartilharem suas experiências sobre o tema prevaleceu. A campanha, que começou com charges bem-humoradas mostrando que o assédio nas ruas era uma forma de violência, viralizou. Na imprensa, o assédio sexual entrou na pauta de discussões como nunca, e as redes sociais se encheram de debates a respeito dos abusos, de demonstrações de solidariedade entre as vítimas de assédio e de vozes femininas contando como é viver em uma sociedade que tolera as abordagens masculinas indesejadas e tende a diminuir as expressões de incômodo de quem é assediada.


De lá para cá, a Chega de Fiu Fiu cresceu ainda mais e deu origem a pesquisas relevantes sobre assédio sexual em lugares públicos, a palestras maravilhosas e a um documentário (veja reportagem do HuffPost Brasil sobre o filme), produzido via financiamento coletivo e exibido em dezenas de sessões coletivas, Brasil afora.


Com o objetivo de contribuir com as discussões sobre esse assunto, o Veduca.org lançou o curso online grátis Assédio Sexual: Prevenção e Combate, em parceria com a Women Friendly, uma empresa pioneira na certificação de estabelecimentos que criam ambientes seguros para funcionárias e consumidoras.Como parte da campanha de lançamento, o Blog do Veduca está publicando uma série de posts sobre assédio sexual.


Em post anterior, a própria Juliana de Faria explicou como se caracteriza o assédio nas ruas e em lugares públicos e seus impactos na vida das mulheres. Neste post, ela conta mais sobre as mudanças que a Chega de Fiu Fiu provocou e sobre o que a campanha revelou a respeito da relação entre homens e mulheres no Brasil. Convidamos você a assistir ao vídeo abaixo, do TEDx São Paulo, em que Juliana explica o que é e como surgiu a Chega de Fiu Fiu. E a ler, na sequência, a continuação da entrevista que fizemos com ela.



Blog do Veduca - Quais são os desdobramentos mais recentes da campanha Chega de Fiu Fiu?

Juliana de Faria – A Lei da Importunação Sexual (Lei 13.718/18), que foi sancionada em setembro de 2018, é uma grande vitória da Chega de Fiu Fiu. Nos bastidores, conversamos muito com pesquisadoras do tema do assédio e grupos de juízas, e todas elas falam que usam nossos materiais como base para seu trabalho. Claro que não chegamos lá sozinhas e que o movimento é das mulheres como um todo, mas a criação da lei é uma vitória que a gente reconhece e abraça. Outra mudança foi a forma como a imprensa aborda o tema do assédio.


Blog do Veduca – Como está a cobertura da imprensa sobre o assédio?

Juliana de Faria - A imprensa é um resultado da sociedade em que ela está inserida, mas também tem uma influência no sentido contrário, ela pode propagar ou desfazer estereótipos, por exemplo. O que víamos, antes da campanha, é que a imprensa atuava mais na propagação das ideias que legitimam o assédio. Desde o início da Chega de Fiu Fiu, a cobertura da imprensa sobre o tema amadureceu muito. As primeiras matérias sobre a campanha tiravam sarro, questionavam se era “mimimi”. Colunistas famosos disseram que eu queria castrar os homens e que a campanha era um lixo. Alguns jornalistas, quando me entrevistavam, chegavam me acusando de algo horrível (risos). Nesses cinco anos, mudou muito a forma de conversar. Agora, estamos em uma posição de conseguir propagar uma conscientização sobre o assédio, de debater o tema. O fato de o assunto ter chegado a locais mainstream, a festivais, ao TEDx, tudo isso indica o alcance que a campanha foi tomando. Já demos entrevistas sobre a Chega de Fiu Fiu para veículos de imprensa nos Estados Unidos e no Reino Unido, já fomos convidadas a levar a campanha a um evento na Itália. Tudo isso é uma vitória.


Blog do Veduca – O que explica a campanha Chega de Fiu Fiu ter viralizado dessa maneira?

Juliana de Faria – Isso aconteceu porque o assédio sexual em lugares públicos era um assunto latente. Todas nós sofríamos com isso e sabíamos como o assédio pode ser violento, mas por causa da culpabilização da vítima e da legitimação da violência, quando alguém tentava falar sobre isso, logo outras pessoas diziam que era “mimimi”. Mas eu costumo dizer que a coragem é viral. Quando a gente consegue jogar uma luz nesse assunto, outras mulheres se juntam, e isso nos fortalece a todas. A gente passa a entender que o assédio não aconteceu comigo, Juliana, porque eu estava na rua, em um horário determinado, usando uma saia preta. Aconteceu porque eu sou mulher. É uma questão de gênero, coletiva, não é um problema individual.


Blog do Veduca – Sendo uma questão coletiva, o que os governos podem fazer para criar um ambiente mais seguro para as mulheres, nas ruas e em espaços públicos?

Juliana de Faria - A melhor forma de prevenir o assédio é uma educação frequente, de longo prazo e intensa sobre o tema. O governo pode agir também na punição, no combate, mas ainda assim, prevenir é fundamental, porque tratar do assédio quando ele já ocorreu é problemático. O assédio gera marcas e traumas que a mulher leva para sempre. Eu tenho histórias de interações que eu levo até hoje e que aconteceram na infância. Esse primeiro assédio acontece com meninas muito jovens. Elas ficam marcadas, e isso, de uma certa forma, vai moldá-las pela vida toda. Por isso, precisamos educar as crianças, e esse trabalho tem que ser feito colaborativamente, em uma frente unificada, entrelaçada, mesmo, entre escolas, governos e famílias.


Blog do Veduca - Você costuma dizer que, ainda que as mulheres continuem a ser assediadas, pelo menos agora estão associando o assédio à violência e falando sobre o tema. Qual é o impacto dessa mudança? As mulheres estão menos suscetíveis aos efeitos do assédio, por estarem mais conscientes de que ele existe e de que é comum?

Juliana de Faria - Quando elas compreendem o assédio como uma violência, a gente consegue trabalhar a questão de jogarem a culpa na vítima. Começando por eliminar a culpa que a própria pessoa joga sobre si, que é um dos grandes entendimentos necessários à denúncia, e em seguida, lidando com as acusações que vêm dos outros. Pessoas que sofrem uma violência e entendem que aquilo é uma violência estão mais preparadas e fortalecidas para combater esses abusos. Esse é o impacto que a consciência traz.


Blog do Veduca - Quais são os próximos passos da campanha Chega de Fiu Fiu?

Juliana de Faria - Queremos continuar rodando pelo país e pelo mundo com o documentário. Já fizemos exibições em todos os estados brasileiros, em quase uma centena de sessões. Também já exibimos o filme em Portugal, na Espanha, na Alemanha, nos Estados Unidos, no Reino Unido e no México. Também queremos criar conteúdos que complementem o documentário, instiguem e fortaleçam a discussão sobre o que é o assédio. Esses documentos serão apoio às pessoas que queiram falar sobre o assédio.




Saiba mais sobre a campanha Chega de Fiu Fiu


- Um dos desdobramentos da campanha Chega de Fiu Fiu foi a elaboração de uma cartilha, em conjunto com a Defensoria Pública do Estado de São Paulo, sobre o que é assédio e como as mulheres podem agir, ao serem vítimas de abusos em lugares públicos e no transporte coletivo.


- O Mapa Chega de Fiu Fiu é construído colaborativamente com mulheres que acessam a plataforma e reúne informações sobre os locais onde elas foram assediadas e o tipo de assédio que sofreram. O objetivo é informar governos e empresas sobre o assédio e provocar “micromudanças”, como por exemplo, ajudar donos de bares, restaurantes e baladas a tomarem consciência de que as frequentadoras do seu estabelecimento estão sendo assediadas.


- O documentário Chega de Fiu Fiu está disponível no site do canal GNT. Vale a pena assistir!


- A repórter Isabela Moreira, da revista Galileu, conversou com as diretoras do documentário Chega de Fiu Fiu. Elas explicam como movimentos feministas e campanhas como a própria Chega de Fiu Fiu estão ajudando a transformar a legislação e o debate sobre assédio sexual.


- Essa outra palestra da Juliana de Faria para o TEDx, dessa vez em Florianópolis, aborda a diferença entre elogio e assédio.



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