- Peri Dias
Assédio sexual no Brasil em sete estatísticas impressionantes

Uma maneira de conhecer o cenário do assédio sexual no Brasil é ouvir os relatos de quem já passou por isso. Em todos eles, sobressaem a indignação, o medo, o nojo, a vergonha ou outros sentimentos negativos que essa violência contra a mulher provoca. Uma forma diferente de saber mais sobre esse tema, mas não menos relevante, é olhar para as estatísticas. Enquanto os depoimentos trazem a dimensão individual e humana do problema, os números mostram como estamos enquanto sociedade.
Para ajudar e entender esse aspecto coletivo do assédio sexual no Brasil, o Blog do Veduca reuniu, neste post, sete estatísticas a respeito do tema. O caráter único e carregado de emoções que cada caso de assédio carrega continua a ser importante, claro. Também abordaremos o custo emocional que o assédio traz para as vítimas nos próximos posts dessa série sobre o assunto, em entrevistas e reportagens com mais mulheres que são protagonistas da luta contra os abusos.
Antes, porém, vale a pena mergulhar nos levantamentos sobre assédio sexual no Brasil e identificar que retrato eles nos apresentam. Spoiler: o problema é grave e temos muito a fazer para combatê-lo. Leia a seguir.
Quão comum é o assédio sexual no Brasil?
1) Datafolha: 42% das brasileiras dizem já ter sofrido assédio sexual
Levantamento de um dos mais importantes institutos de pesquisa do país, o Datafolha, mostra que quatro em cada dez brasileiras afirmam ter sido vítimas de assédio. Realizada em 2017, a pesquisa tem margem de erro de dois pontos e revela um quadro grave sobre o assédio no Brasil. Quando a pergunta se refere ao local do assédio, 29% das entrevistadas que relataram ter vivenciado essa forma de violência disseram que ela ocorreu na rua.
Outros 22% indicaram o transporte público, enquanto 15% mencionaram o trabalho, 10% a escola ou a faculdade e 6% apontam a própria casa como lugar onde foram importunadas ou agredidas. A soma das respostas ultrapassa os 42% iniciais porque cada mulher poderia indicar mais de um local.
Segundo especialistas ouvidos pelo jornal Folha de S. Paulo, que pertence ao mesmo grupo do Datafolha, a porcentagem real de mulheres assediadas tende a ser ainda mais alta, já que a subnotificação, motivada pelo fato de muitas vítimas terem medo ou vergonha de dizerem que passaram pela situação, é uma das principais barreiras no combate ao abuso contra a mulher. Esse é um dos motivos, somado às diferenças de metodologia nas pesquisas, que explicam número tão distintos em cada levantamento sobre o tema.
2) ActionAid: 86% das mulheres no Brasil relatam já ter sofrido assédio em lugares públicos
Uma das ONGs de combate à pobreza mais conhecidas do mundo, a ActionAid realizou uma pesquisa sobre assédio sexual em lugares públicos, em quatro países ou regiões: Brasil, Índia, Tailândia e Reino Unido. O Brasil liderou o ranking do assédios, empatado com a Tailândia (86%), ante 79% na Índia e 73% no Reino Unido. A pesquisa ouviu 503 mulheres e seguiu uma amostragem que reflete o perfil da população brasileira feminina, segundo o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo a ActionAid, as formas de assédio que as entrevistadas apontaram como mais comuns foram o assobio (77%), os olhares insistentes (74%), os comentários de cunho sexual (57%) e os xingamentos (39%). As respostas também revelam que metade do grupo já foi seguida na ruas, 44% tiveram seus corpos tocados, 37% disseram que homens se exibiram para elas e 8% foram estupradas.
A região Centro-Oeste teve os piores índices de assédio no Brasil, com 92% de incidência de assédio na ruas, seguida pelas regiões Norte (88%), Nordeste e Sudeste (86%) e Sul (85%).
3) O Estado de S. Paulo: transporte público de São Paulo registra, semanalmente, quatro boletins de ocorrência por assédio sexual

Em 2017, o jornal O Estado de S. Paulo calculou o número de boletins de ocorrência abertos por mulheres vítimas de assédio sexual em ônibus, trens metropolitanos e no Metrô da capital paulista. O resultado aponta para mais de quatro casos por semana no transporte coletivo.
Os relatos publicados pelo jornal são revoltantes. Há mulheres que, no caminho do trabalho, foram “encoxadas” e sentiram outro passageiro ejacular em suas pernas. Além da raiva e da vergonha pela agressão em si, ainda cabe às passageiras procurar a Polícia ou gritar para que outras pessoas possam ajudá-las a pegar o agressor.
A própria reportagem aponta que o volume de boletins de ocorrência abertos é certamente bem mais baixo do que o de casos de assédio que efetivamente acontecem, já que a subnotificação é um problema histórico nesses casos. O Metrô de São Paulo já promoveu uma campanha, em 2015, para estimular que as mulheres denunciem os assediadores. Entre 2013 e 2016, subiu de 23 para 219 o número anual de boletins de ocorrência por assédio sexual em vagões e ônibus que circulam pela maior cidade do país.
Só para mostrar que o problema não se restringe a São Paulo, dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná apontam para 60 boletins de ocorrência por assédio contra mulheres em ônibus, estações-tubo e terminais de Curitiba, entre janeiro e outubro de 2017, uma média de 6 casos por mês ou mais de um por semana, segundo o post de Maria Luiza Piccoli, no blog Caçadores de Notícias, do jornal Tribuna do Paraná.
4) Veja: ações na Justiça por assédio sexual cresceram 200% em três anos
Reportagem publicada em 2018, no site da revista Veja, mostra que o número de ações de assédio sexual abertas em primeira instância, no Brasil, cresceu mais de 200%, em três anos. Em 2013, foram 1530 casos, ante 4450 em 2016. Em 2017, só até a primeira metade do ano, o número de ações já estava em 4057, o que indicava que, se o ritmo fosse mantido, até o fim daquele ano o volume de casos teria quintuplicado, em relação a 2013. O levantamento foi realizado, a pedido da revista, pela consultoria Kurier Analytics, que usou a base de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como fonte para a pesquisa. Segundo o CNJ, 88% das ações de assédio sexual no Brasil, em 2016, se deram na esfera trabalhista.
Como aponta a revista, o assédio é crime previsto no Código Penal desde 2001. Incorre nele todo indivíduo que tentar obter “vantagem” carnal usando a condição de superior hierárquico ou lançando mão de sua ascendência sobre alguém. Porém, como Ana Addobbati explicou para o Blog do Veduca, entrou em vigor, em 2018, uma nova lei, que tipifica crime de importunação sexual e que ajudou a ampliar o entendimento da Justiça brasileira sobre o que é assédio sexual.
Garota encostada em um muro: 90% das mulheres jovens brasileiras já deixaram de fazer alguma coisa que queriam, como sair de casa ou usar uma determinada roupa, para não serem vítimas de assédio, mostra pesquisa
Como o assédio sexual no Brasil se distribui, de acordo com idade, cor da pele e renda?
5) Instituto Patrícia Galvão: 77% das adolescentes e jovens já foram assediadas fisicamente
Em uma pesquisa realizada em 2015, o Instituto Patrícia Galvão, o Énois Inteligência Jovem e o Instituto Vladimir Herzog buscaram retratar como o assédio sexual afeta particularmente as brasileiras jovens de classe média ou baixa. O estudo, realizado por meio de questionário online e entrevistas em profundidade envolveu 2285 mulheres, de 14 a 24 anos, das classes C, D e E, moradoras de 370 cidades brasileiras.
As conclusões são impressionantes: 94% das entrevistadas afirmaram que já foram assediadas verbalmente e 77% já sofreram assédio fisicamente. Dos casos de assédio físico, 72% dos contatos foram provocados por desconhecidos. As agressões incluem “encoxadas” no transporte público, tapas ou afagos nas nádegas em lugares públicos e beijos forçados em bares ou festas. Em 10% dos casos, o assédio foi praticado por familiares e, em 9%, por colegas ou amigos.
Os depoimentos coletados durante a pesquisa mostram, também, que muitas das adolescentes ou jovens que foram assediadas ainda ouviram ameaças ou foram agredidas quando reclamaram ou denunciaram o agressor.
6) Datafolha: mulheres orientais, pretas e pardas sofrem assédio mais frequentemente
A mesma pesquisa do Datafolha que indicou que 42% das brasileiras já sofreram assédio sexual aponta que a cor da pele afeta a probabilidade de uma pessoa ser assediada. Entre as mulheres negras e pardas, 45% indicaram já terem sido vítimas de assédio, ante 40% das mulheres brancas. As mulheres orientais indicam uma porcentagem ainda maior de abusos: 49% delas contam já ter passado por essa situação.
Na reportagem da Folha de S. Paulo que divulgou os dados da pesquisa, uma afirmação da advogada Thayna Yaredi, do coletivo Rede Feminista de Juristas, ajuda a entender essa desproporção. Ela diz que “a mulher negra, como é hiper sexualizada, sofre um assédio mais incisivo. O local dela não é o da beleza, é o de suprir necessidades carnais”.
O levantamento do Datafolha também revelou que quanto mais jovens são as mulheres, maior a probabilidade de elas relatarem casos de assédio. Entre as brasileiras de 16 a 24 anos, 56% afirmaram já terem sido vítimas, confirmando a percepção da pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, de que a maioria das adolescentes ou jovens foi assediada pelo menos uma vez.
Outro recorte importante sobre o assédio no Brasil é o da renda. As mulheres com maior poder aquisitivo são as que mais relatam abusos em lugares públicos ou no trabalho (58%), mas as que menos relatam assédio sexual em casa. Na verdade, entre as entrevistadas pelo Datafolha, nenhuma mulher com renda familiar mensal acima de 10 salários mínimos reportou assédio em sua própria casa, enquanto a porcentagem entre as mulheres com renda de até 2 salários mínimos foi de 7%.
Assim como indicado pela pesquisa da ActionAid, a região Centro-Oeste do Brasil aparece na pesquisa do Datafolha como a que possui os piores índices de abuso contra a mulher: 50% das mulheres já foram vítimas de assédio. Nas outras regiões, os índices foram de 49% no Sudeste, 40% no Norte, 37% no Sul e 34% no Nordeste.
Como o assédio sexual no Brasil afeta a vida das mulheres?
7) Instituto Patrícia Galvão: 90% das jovens já deixaram de fazer alguma coisa com medo da violência contra a mulher
A pesquisa com adolescentes e jovens dos 14 aos 24 anos mostrou que 90% delas já mudaram seu comportamento por medo de agressões, estupro ou assédio sexual. Entre as restrições impostas pela violência contra a mulher, as mais frequentes são deixar de sair à noite (31%), usar determinadas roupas (27%) e responder a uma cantada (23%). Os depoimentos das entrevistadas revelam, por exemplo, que as meninas que vão usar o transporte público deixam de se vestir com saia ou vestido, mesmo que esteja calor, para não serem vítimas de assédio. As mulheres jovens também contam que mudam de trajeto ou mesmo deixam de sair de casa, com medo das abordagens dos homens.
Saiba mais sobre assédio sexual no Brasil
O vídeo abaixo, publicado pelo site do jornal O Estado de S. Paulo, traz depoimentos de mulheres que sofreram assédio sexual. Elas revelam, entre outras coisas, que às vezes é difícil se dar conta de que atitudes mais sutis de assédio também precisam ser identificadas e combatidas.
Ainda no site do Estadão, o blog da jornalista Nana Soares, especializada em direitos da mulher e combate à violência, traz dados e reflexões importantes sobre temas como cultura do assédio sexual no Brasil e machismo.
O Instituto Maria da Penha, que promove ações pela conscientização e empoderamento da mulher, criou uma página especial para realçar estatísticas de agressões. Os “Relógios da Violência” evidenciam a enorme quantidade de casos de assédio sexual no Brasil e fazem pensar no quanto ainda precisamos avançar, como sociedade, na prevenção e combate aos crimes contra a população feminina.
A BBC Brasil compilou 11 razões pelas quais as mulheres deixam de denunciar o assédio sexual. Vale a pena ler essa reportagem.